Conflitos fundiários e soberania alimentar
O Brasil vive um paradoxo alimentar: enquanto é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, 33 milhões de seus cidadãos passam fome. Essa contradição tem raízes profundas na histórica concentração de terras, herança direta da Lei de Terras de 1850 que beneficiou elites agrárias.
Hoje, segundo o INCRA (2023), 1% dos proprietários controlam 45% das terras agricultáveis
Comunidades tradicionais impactadas:
- Guarani Kaiowá (MS): Com o avanço dos latifúndios de soja transgênica, as roças de avaxi ete'i (milho sagrado) e mandioca brava foram reduzidas em 80% na última década.
- Quilombo Campo Grande (MG): Sua produção de café agroecológico em 4,5 mil hectares - maior experiência do gênero na América Latina - sofre constantes ameaças de grileiros.
Segundo o IPEA (2022), para cada 1% de aumento na concentração fundiária, o preço da cesta básica sobe 2,3%
Ultraprocessados: O novo colonialismo alimentar
A invasão dos ultraprocessados representa talvez a maior transformação na dieta brasileira desde a chegada do trigo com os portugueses. Movimentando R$ 500 bilhões/ano (ABIA, 2023), a indústria age de forma similar aos antigos colonizadores.
Estratégias de dominação:
- Substituição cultural: No Amazonas, o consumo de tucupi caiu 70% entre 2000-2020 (IBGE), substituído por macarrão instantâneo.
- Marketing predatório: 58% das propagandas de alimentos na TV promovem ultraprocessados (IDEC, 2023).
A OPAS (2022) calcula que cada R$ 1 gasto com ultraprocessados gera R$ 2,50 em custos com saúde pública
Trabalho escravo na cadeia alimentar
A abundância em nossas mesas esconde ciclos de exploração que remontam ao período colonial:
63% dos casos de trabalho escravo rural ocorrem nos canaviais (MPT, 2023)
Quem lucra?
A cadeia da carne bovina - da qual 70% é exportada - movimentou US$ 8 bilhões em 2023. Enquanto isso, um cortador de cana recebe em média R$ 800/mês.
Agrotóxicos: O veneno na mesa
O Brasil autorizou 1.200 novos agrotóxicos na última década, muitos banidos na UE:
- Consumo recorde: 1,2 kg de veneno/habitante/ano (Abrasco, 2023)
- Contaminação: 70% das amostras de água em Lucas do Rio Verde (MT) com glifosato (UFMT, 2021)
O "PL do Veneno" foi aprovado após doações de R$ 58 milhões da indústria a deputados (Transparência Brasil, 2023)
Resistências e alternativas
Frente a esse cenário, brotam iniciativas que ressignificam nossa relação com a comida:
MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, abastecendo 12 milhões de refeições escolares/ano
Exemplos inspiradores:
- Rede Xique Xique (CE): 300 mulheres transformam o semiárido cultivando mandacaru
- Biofábricas de mandioca: Cooperativas no sertão baiano garantem renda justa